quinta-feira, 3 de julho de 2014

Morro da Luz - Território de Quem?


Por Elina Padilha Fernandes
ECCO – UFMT

            Durante o curso de Mestrado em Estudos de Cultura Contemporânea – UFMT, no qual realizei as disciplinas Tópicos Especiais em Poéticas Contemporâneas I, III e IV, ministradas pela professora Drª Maria Thereza de Oliveira Azevedo, tive a oportunidade de participar do Coletivo à Deriva, que se liga ativamente ao grupo de pesquisa Artes Híbridas do ECCO, liderado pela profª Maria Thereza. Ao longo desse período participei de três intervenções urbanas ou melhor dizendo, de três práticas urbanas, já que esta última implica não apenas o intervir, mas ultrapassa “muros” e “barreiras”, vinculadas a aspectos políticos, sociais, econômicos e ambientais.
            Como proposta de intervenção neste módulo disciplinar, fomos chamados a subir o Morro da Luz, e iluminá-lo, com a intenção de tornar visível a real situação do Morro para a sociedade e para o poder público, pois este se encontra em total abandono, sendo ocupado por salteadores e consumidores de drogas, além de ser ponto de prostituição.
Durante o processo de ajustes para a intervenção vários pontos de discussão foram se formando: o objetivo da intervenção, a visibilidade da mesma (se necessário ou não), a participação da mídia e dos departamentos públicos do município, dos artistas convidados e da sociedade em geral. Havia por minha parte certa preocupação em relação à notoriedade da intervenção, mas como disse Maria Thereza Azevedo: “nenhuma ação fica sem uma reverberação, independentemente se ela foi notória ou não”.
Pesquisando sobre o Morro da Luz percebi que o seu valor histórico e patrimonial ultrapassa os aspectos políticos e econômicos, foi nesse morro o primeiro ponto de luz da cidade de Cuiabá, um marco histórico e social para o nosso município. Contudo, pouco acontece para que esse patrimônio seja um território de todos, mesmo sendo um ponto central da cidade, o Morro da Luz virou território de poucos, e, para a grande maioria configura apenas um ponto de referência localizador, desta maneira, ocorre a desterritorialização e as desapropriações de uma grande parcela da população.

O conceito de território
Dentro dessa temática, seria interessante a definição da palavra território, “de acordo com Haesbaert Costa, deriva do ‘latim territorium’ que é derivado de terra e que nos tratados de agrimensura apareceu com o significado de ‘pedaço de terra apropriada”. (SOUZA, PEDON, 2007, p.128).
Ainda de acordo com Souza e Pedon, a partir desta definição:

Lobato Corrêa corrobora dizendo que tem o significado de pertencimento – a terra pertence a alguém – não necessariamente como propriedade, mas devido ao caráter de apropriação, assim como a desterritorialização é entendida como perda do território apropriado e vivido em razão de diferentes processos derivados de contradições capazes de desfazerem o território (...).  (SOUZA, PEDON, 2007. Pág. 128).  

            Eu entendo que esses diferentes processos de desfazer do território se justapõem principalmente nas políticas social e econômica em nosso município; por décadas o Morro da Luz foi deixado em segundo plano na composição urbanística da cidade, como consequência de uma ocupação marginalizada que foi se constituindo ao longo do tempo. Uma pequena parcela da sociedade territorializou o Morro da Luz. Sobre este aspecto tem sido aplicado o debate do território, do lugar, da paisagem e do próprio espaço urbano.

Embora o termo território tenha sido mais caracterizado com as relações de poder e, desta forma atribui-se ao Estado-Nação, vários pesquisadores, inclusive geógrafos tem defendido a definição deste, a partir de outras variáveis importantes na produção dos territórios.  Haesbaert Costa sinaliza três vertentes de conceitos para território: 1) jurídico-política – definido por delimitações e controle de poder, especialmente o de caráter estatal; 2) a cultural(ista) – visto como produto da apropriação resultante do imaginário e/ou “identidade social sobre o espaço”; 3) a econômica – destacado pela desterritorialização como produto do confronto entre classes sociais e da “relação capital-trabalho”. O mesmo autor afirma que os mais comuns são posições múltiplas, compreendendo sempre mais de uma das vertentes (1997, p. 39-40). (SOUZA, PEDON, 2007. Pág. 129).

            Existe realmente uma relação múltipla de fatores que levaram a essa desterritorialização do Morro da Luz, apesar de sua grande importância histórica, percebemos que as relações sobre esse espaço-território nos dias atuais são de uma complexidade muito grande, e, devido a uma ocupação de uma minoria marginalizada,  a maior parte da população cuiabana priva-se dele, não apenas com uma privação física (geograficamente falando), entendo que há uma privação subjetiva, emotiva e poética, todo um  complexo  histórico, ambiental e social, está se perdendo, precisamente por que o Morro da Luz surge como um território de poucos e deixados por muitos.
Contudo, ainda sobre o conceito de território, dois grandes filósofos sociais contribuíram para a distinção de territórios e seus conceitos:

 Na verdade apesar de alguns autores restringirem a visão deleuze-guattariana de território a um nível meramente psicológico (como TOMLINSON, 1998. 10), podemos afirmar que ela é de tamanha amplitude que engloba todas estas versões de território. Trata-se na verdade de uma vasta mudança de escala: iniciando como território etológico ou animal passamos ao território psicológico ou subjetivo e daí ao território sociológico e ao território geográfico (que inclui a relação sociedade-natureza). (HAESBAERT e BRUCE, s\d, pág. 06).

            Deleuze e Guattari apesar de enfatizarem bem a territorialização como algo psicológico, não deixam de frisar a ideia de espaço-território físico na qual as relações sociais se estabelecem. Com esta realidade percebemos a necessidade de desenvolvimento de  políticas sociais que possibilitem a  reterritorialização do Morro da Luz, através de uma ocupação física por parte do poder público com ações sociais, econômicas e culturais, implementando uma mobilização para a ação coletiva de ocupação por parte da sociedade civil.

Minha experiência Corpo – Poética no Morro da Luz     

   
Figura 01 - Desbravando, finalmente, o Morro da Luz.
Foto: Bernadete Lara.
           
            Como mais uma experiência de intervenção urbana, tive a oportunidade de conhecer um pouco mais um território até então proibido. Desde  criança o Morro da Luz fez parte do meu imaginário, nos idos da década de 90 quando esperava o meu pai terminar seu expediente que trabalhava na CEMAT – Centrais Elétricas Mato-grossenses, que fica no topo do morro, esse local era totalmente proibido, pois escondia os “perigos” de um lugar inacessível, meus pais sempre me proibiram de desbravá-lo, confesso que como qualquer criança sempre tive muita vontade, porém o medo era maior, com suas altas árvores e seus misteriosos espaços escuros e intocáveis, ficou por se realizar.
Enfim, apenas no dia 20 de maio de 2014 que consegui desbravar o tão misterioso parque, pra mim foi uma realização tão gratificante, que fiz com que o meu filho participasse desse momento, ele felizmente não precisará esperar décadas para conhecer um território que faz parte do seu espaço urbano, assim como as futuras gerações devem se permitir conhecer o Morro da Luz, as luzes que iluminaram o morro deveriam ser as mesmas para iluminar as mentes e os corações de todos que direta ou indiretamente são responsáveis por esse território.


Figura 02 - Iluminação com canhões de luz durante a intervenção.
Foto: Autor Desconhecido.

 Bibliografia
           

HAESBAERT, Glauco e BRUCE, Glauco. A desterritorialização na obra de Deleuze e Guattari. Departamento de Geografia Universidade Federal Fluminense. Disponível em <

SOUZA, Edevaldo Aparecido e PEDON, Nelson Rodrigo. Território e Identidade. Revista Eletrônica da Associação dos Geógrafos Brasileiros – Sessão Três Lagoas MS. Disponível em http://www.ceul.ufms.br/revista-geo/artigo6_EdevaldoS._e_NelsonP..pdf. Acesso em 23 jun 2014.









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