segunda-feira, 30 de junho de 2014

A Performance no Morro da Luz



Sandra Maria Souza Rosa

 A disciplina de Tópicos Especiais em Poéticas Contemporânea I, ministrada pela professora Doutora Maria Thereza de Oliveira Azevedo, propôs aos alunos que fizéssemos uma intervenção urbana e nos fez observar a cidade de outra maneira, com o olhar mais voltado para o poético. Nós ficamos em busca de um lugar onde essa intervenção ocorreria e depois de várias sugestões, foi definido o Morro da Luz. O presente texto propõe reflexões teóricas sobre a performance realizada.

Conhecendo o Morro

O Morro da Luz como é popularmente conhecido, devido na década de 1920, ter se instalado uma subestação de energia elétrica que distribuía energia para a cidade.  Ele também é denominado Parque Antônio Pires de Campos e em 1983 foi declarado patrimônio histórico, paisagístico e ecológico do município.  O Morro da Luz está localizado na área central de Cuiabá, sendo um espaço arborizado com um clima agradável, tem trilhas e praças. Ele representa para o povo cuiabano o simbolismo de uma história com diferentes momentos que geram emoção e ao mesmo tempo aflição.
Conforme relatos de uma de nossas colegas de sala, quando o Morro da Luz foi inaugurado, era frequentado pela população cuiabana, um local onde casais de namorados iam passear, famílias ter momentos de lazer. Com o passar do tempo, o Morro da Luz foi ficando abandonado, tanto pela população quanto pelo poder público. A sujeira foi tomando conta do local, a falta de iluminação pública e de segurança também, o vandalismo foi aparecendo nas lixeiras quebradas e placas pichadas, tudo isso foi tornando o Morro da Luz um lugar inseguro e perigoso.

                                                                               
Arte no Morro

Como forma de chamar a atenção da população e do poder estatal novamente para o espaço público, foi organizada uma performance, que faria o elo das pessoas ao espaço. Para ZUMTHOR (2007, p. 39) “ A performance não apenas se liga ao corpo mas, por ele, ao espaço. Esse laço se valoriza por uma noção, a de teatralidade (...)”
A performance que foi denominada “ Morro de Luz”  é um projeto dos alunos do Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Estudos de Cultura Contemporânea da Universidade Federal de Mato Grosso juntamente  com o Coletivo à Deriva.Foi realizada no dia 20 de maio com previsão para iniciar às 17:00. A ideia foi praticar aquele lugar abandonado, nas palavras de  Certeau[1] apud Washigton  (2013, p. 147)
Certeau Define “ Espaço” como “lugar praticado”. Os projetos arquitetônicos, as estradas, as usinas, os lagos artificiais, determinan a ordem das coisas, são lugares; as pessoas, nos seus modos de fazer, reinventam no cotidiano os seus usos, assim constituem espaços de movimentação possíveis de se viver. Certeau interpreta as práticas culturais contemporâneas atribuindo-lhes a capacidade de reinventar os lugares, cada um a seu modo, escapando do planejamento e da homogeneização através das “ artes de fazer” da  “ caça não autorizada” das “táticas de resistências”. 

Perto das 17h foi chegando a professora, os alunos, os convidados, equipes de reportagem (pois algo assim no local não havia ocorrido) e os artistas. Com certo número de pessoas e ao entardecer, começamos a subir o morro até onde é localizada uma das praças, que tem tipo um palco, foi esse o local das apresentações artísticas. A performance ocorreu com os alunos e convidados utilizando lanternas para iluminarmos as apresentações musicais e  também o escultor,como podemos verificar na foto abaixo.


Foto: Frank César Bussato

O Morro naquele momento ficou sendo palco de manifestações artísticas ocorrendo simultaneamente, enquanto o flautista era iluminado com a claridade de algumas lanternas, as outras iluminavam o escultor criando sua escultura e próximo do escultor estavam algumas pessoas fazendo bolas de sabão, pequenas, médias e grandes que eram percebidas através dos reflexos das lanternas, que pode ser verificada na foto abaixo.



                 Foto: Frank César Bussato

As práticas cotidianas do morro foram desautomatizadas por meio da arte. A rotina urbana, comentada por Caldeira, foi ressignificada na ação dos estudantes.

“A Imagem urbana apoiada nos ícones da vida privada acaba por desintegrar aquela outra imagem que valorizava os espaços coletivos: a rua a praça, o largo, a avenida; o uso da cidade se transforma em rotina organizada pela pressa que automatiza e unifica todos os lugares; perdem-se os pontos de referência, as marcas urbanas, os pontos de encontros.” (CALDEIRA, 2009, p. 42)

Mais tarde foram utilizados dois Canhões de luz Skywalker, assim visualizamos as projeções de autoria de Luis Segadas. Na foto abaixo verificamos a projeção da imagem de um índio.



                             Foto: Alle Rodrigues


O Morro por algumas horas ficou iluminado, irradiando arte e nos deixando encantados com o que estava acontecendo, se tornando realmente um “Morro de Luz”.  O ato de arte se fez assim uma ponte entre os corpos que faziam a performance e o local onde a intervenção foi realizada. Para Brito e Jacques (2009, p. 339) “ o espaço público e a experiência artística constituem, assim, aspectos da vida humana cuja dinâmica tanto promove quanto resulta dos modos de articulação entre o corpo e seus ambientes de existência”.
Essa experiência me fez perceber que não valorizamos lugares como o Morro da Luz, que faz parte do nosso cotidiano, que os seus bons tempos existem somente nas lembranças guardadas nas memórias das pessoas mais velhas fazendo-os viajarem no tempo em que tiveram a oportunidade de usufruir dele como um lugar de lazer. “Todavia a memória tem outro sentido ela é também a possibilidade do resgate do lugar, revelando-o e dando uma outra dimensão para o tempo”.  (CARLOS, 2007, p.39)
Com a falta de iluminação pública, de manutenção da limpeza e de revitalizações,as visitações ao Morro da Luz foram prejudicadas.  A população local e visitantes da cidade deixaram de frequentar o morro, que se tornou desconhecido das pessoas mais jovens. Que bom seria se o Morro da Luz voltasse a ser um ambiente de lazer em pleno Centro da cidade.













Referências Bibliográficas

BRITO, Fabiana Dultra e JACQUES, Paola Berentein. Corpocidade:Arte enquanto Micro- Resistência Urbana. In Fractual: Revista de Psicologia, v.21- n. 2, p. 337-350, Maio/Ago. 2009. Disponível em  http://www.uff.br/periodicoshumanas/index.php/Fractal/article/view/273. Acessado em 29/06/2014

CALDEIRA, Solange Pimentel. O lamento da Imperatriz: a linguagem em trânsito e o espaço  urbano em Pina Bausch. São Paulo: Annablume, 2009.

CARLOS, Ana Fani Alessandri. O lugar no/do mundo. São Paulo: FFLCH, 2007, 85P. Disponível em: http: www.fflch.usp.br/dg/gesp. Acessado em 29/06/2014

WASHIGTON, Claudia Teresinha. Prática artística, fronteiras territoriais e reinvenção dos espaços. In Sures – Revista Digital do Instituto Latino Americano de Arte, Cultura e História. Universidade Federal da Integração Latino – Americana – UNILA ISSN 2317-2738 v. 2 , Ano 2013.  Disponível em https://ojs.unila.edu.br/ojs/index.php/sures/article/view/77. Acessado em 29/06/2014

ZUMTHOR, Paul. Performance, recepção, leitura. 2. ed. São Paulo: Cosac
Naify, 2007. 






[1] Certeau, Michel de. A Invenção do Cotidiano- I Artes de Fazer. Ed. Vozes, 1994

E o Morro acendeu

Qualquer cidade é de todos

Luís Segadas   
 "Minha terra é o Amazonas, meu escritório Cuiabá
e minha casa é o universo!!! Artista Anônimo

Foto: Adriano Figueiredo Ferreira

Andamos por ela. Sentimos o chão, buscamos horizontes atrás dos edifícios, acompanhamos as obras, vemos transformações, passamos pelas últimas casas na fronteira, periférica, cartográfica, na janela em velocidade que divide espaços



A cidade tem cores, sons, aromas, trajetos, entradas, saídas, promove encontros, esbarrões nos fluxos que buscam a retidão. A cidade é das motos, escavadeiras, dos cães que precisam atravessar e dos cadeirantes com suas rodas. A cidade gera e integra diferentes necessidades humanas e não humanas. A cidade precisa funcionar é a nossa casa, nos abriga e alimenta. O morador de rua apreende o espaço para si. O parque é o seu jardim, o beco é o seu banheiro. Sua casa espalha-se em terrenos segmentados pela ação inventiva humana. 


territórios


Territórios com fronteiras bem definidas, a cidade funciona com suas simbologias governamentais, particulares ou comerciais. Os automóveis sinalizam suas intenções no fluxo material e deslizante da vida. Piscam luzes, massas semióticas ajustam interesses diversos. A cidade em primeiro lugar. É o suporte poético que proporciona a ação. Ela merece o foco da sua reinvenção, também pela arte, desconhece os encontros consequentes e simultâneos dos significados que atrai.




A Ação Poética, que propõe ocupar e intervir em territórios urbanos para reinventá-lo em sua breve efêmera existência capta seus próprios desdobramentos, registros e ressonâncias nas redes internéticas;
escreveu a Professora Maria Thereza na página –Facebook -
 


SOCIEDADE DOS AMIGOS DO PARQUE DO MORRO DA LUZ: “O Parque do Morro da Luz, grande área verde com vários espécimes de arvores, seis praças e muitas trilhas, clima agradável, um oásis localizado no Centro da cidade de Cuiabá, patrimônio municipal tombado em 1983, está abandonado, sujo, depredado. Uma curiosidade grande toma conta das pessoas que há muitos anos o veem de longe. Falta-lhes coragem para conhecer o Parque. Medo, muito medo. No dia 20 de maio de 2014, enquanto ocorria a prisão de políticos depredadores em Cuiabá, nós do Coletivo à deriva, subimos o parque do Morro da Luz com um grupo de 47 pessoas. Munidos de lanternas e outras luzes, instrumentos musicais, objetos lúdicos, materiais plásticos, poemas, imagens e projeções nós ocupamos a primeira praça do Parque,
a Zé Bolo-Flor. O resultado foi mágico. Dia memorável.”






O Morro da Luz semiótico ostenta signos de abandono e perigo. Um território bem definido nas linhas do google /mapa, terra no medo, onde é preciso coragem. Reforçando as representações entre claro e escuro, noite e dia, esquecido na escuridão política e ética do seu território livre, aberto, central, íngreme, sujo, abandonado no centro da cidade, é hoje, um parque sexual, local onde se negociam encontros escondidos. Quem vai ali não quer ser visto. Um parque sem a presença do Estado. Um território solto onde impera a astúcia em seus movimentos nos encontros humanos em busca de sexo, drogas e negócios das ruas. Transeuntes vagam no símbolo vivo de uma cidade e dominam, reinventando o espaço do tempo que parece passar, lentamente, no filme de suas vidas. Os medos intimidam nossas coragens civis, mesmo um simples passeio no parque.






No dia da intervenção, 20 de maio, o país acordou com notícias inéditas misturando as páginas políticas e policiais. Importantes nomes do cenário oficial foram constrangidos em suas privacidades por ordem judiciais apoiadas por forças executivas armadas. Foram cumpridos mandados, prisão e busca, em diferentes locais e personagens subverteram as relações de poder nas correntezas da informação. Anulando câmeras de segurança, forças policiais com suas lanternas buscaram o que estava oculto nas gavetas bem guardadas do Poder. 



Simultaneamente, a ação de ocupação do Parque Morro da Luz, no centro de Cuiabá, alterou o cotidiano de seus frequentadores habituais. Exercemos o processo poético em tempo real, na efemeridade do relógio contra o tempo, buscando conteúdos ocultos no descaso. Apesar da ação apoderar-se da primeira praça, geograficamente, em suas trilhas escuras que seguem parque adentro, prevaleceu o que nos observava com seus temores a poucos metros na escuridão. Por que o Estado age neste e não naquele sítio. Quais motivações envolvem suas execuções no cotidiano que nos atinge? Precisamos de governos incompetentes à frente das relações de poder? Antigas práticas obscuras agora recebem a luz? Neste dia o “Morro” acendeu, de repente, aquele movimento poético, coletivo, desde às 17 horas, reúne suas coincidências na potência do grupo que efetiva a ocupação luminosa. Naquela noite de 20 de maio de 2014, já distante nas linhas de tempo, o Morro da Luz-Cuiabá-Mato Grosso-Brasil, brilhou repleto de tantos significados como resposta de um momento, de uma população, de novos pensamentos em cada esfera de poder refletindo a energia dos holofotes brancos em seus mosquitos iluminados.

Foto: João Ninguem

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domingo, 29 de junho de 2014

Transformando janelas em portas

Luiz Gustavo Mocellin Mafaciolli

O pratrimônio cultural de um povo não está somente ligado e restrito a obras confinadas em seus museus, está muito além disso, está ligado a tudo que compõe o espaço urbano a nossa volta e a tudo que nos apropriamos como espaço de vivências em nossa cidade.
Considerando a vasta malha urbana que nos cerca e nos alimenta com suas diversas culturas e valores,  surgem intervenções que têm como objetivo valorizar, chamar a atenção para um local ou algo, ou até mesmo resgatar ou restaurar essências por vezes, infelizmente esquecidas.
O Coletivo à Deriva, formado pelos membros do grupo de pesquisa Artes Híbridas e, comandado pela professora Maria Thereza Azevedo, é um grupo cuiabano que realiza e promove tais intervenções transformando a vista de uma janela em algo maior, que se possa passar, ter uma experiência, uma vivência, uma lembrança, algo que podemos abrir, ver, e voltar, transitar quando quisermos e bem entendermos. A janela é assim, transformada em porta, uma porta sem trancas e amarrações.
Nas cidades, os monumentos são os marcos do lugar, são história, e as histórias não podem ser simplesmente esquecidas e deixadas de lado, história é cultura.
O Parque do Morro da Luz, em Cuiabá é um parque urbano que foi inaugurado em 22 de maio de 1925. Já foi muito bonito, cuidado e valorizado como um dos cartões postais da cidade de Cuiabá. No entanto, com a modernização e descaso da população e do Governo, o parque aos poucos foi perdendo seu encanto, sua Luz. E hoje apesar de suas árvores centenárias  ainda contarem muitas histórias, contam para poucos que ainda as visitam.
 Considerando isso, no dia dia 20 de maio de 2014 foi realizada a intervenção urbana denominada “Morro de Luz” no parque Morro da Luz , organizada pelos alunos da disciplina de mestrado de Poéticas Contemporâneas da Universidade Federal de Mato Grosso, juntamente com o Coletivo à Deriva. Tal intervenção, surgiu da discussão em sala de aula sobre locais de nossa cidade que precisariam de uma maior atenção e cuidado.
A intervenção do Morro não se deu somente pelas pessoas que estavam lá no dia do ato, ela começou muito antes por um conglomerado de parceiros e adeptos ao movimento. Para promover o evento, utilizamos do “boca a boca” e das ferramentas disponibiizadas pelas redes sociais – grandes aliadas aos movimentos das intervenções urbanas – Arantes afirma que  “o crescente uso de formas operacionais de comunidades da rede (...) são importantes estratégias de democratização, de compartilhamento, de acesso e de troca de informações” (ARANTES, 2010, p. 04). 
Como poderia um parque denominado de Morro da Luz, não possuir sequer um respaldo de luz?
Hoje, as intervenções buscam transformar as cidades e as pessoas que delas desfrutam. Elas têm configurado grandes estímulos populares sobre os elementos urbanos públicos e culturais. Buscamos aqui “desconstruir” o imaginário a respeito do local Morro da Luz e sugerir novas apreensões sobre o espaço e seus usuários, além de ocupar o que de tempos, é nosso. A aproximação da população proporciona aprendizado e o aprendizado proporciona mais cultura e, quanto mais cultura, melhor.
Para Brunet (2008), a colaboração nas práticas de intervenção urbana funciona como uma forma de experimentação do espaço público, com o objetivo de fazer com que o participante se sinta parte deste espaço e que nele construa algo.
A intervenção “Morro de Luz”, apesar de singela e simples, proporcionou luz ao local e, não somente ao local, proporcionou luz ao olho de quem viu, e ouviu falar do movimento. É incrível como de uma porta, surgem várias outras.
Buscamos em Ferrara (1986) o entendimento sobre o uso do espaço. Para a autora, a arquitetura e o urbanismo produzem lugares e o “uso é um modificador do espaço urbano” (Ferrara 1986, p.186).
Após a realização da intervenção, olhares cuibanos se voltaram ao Morro, muito se disse, muito se especulou a respeito do feito, e o local que antes não havia luz, aquele local contraditório e tido como perigoso, hoje possui policiamento e iluminação. Uma janela, várias portas, várias lanternas, uma só luz. Parabéns a todos pela iniciativa.

Referências Bibliográficas
ARANTES, Priscilla. Impacto dos Weblogs: Geopolítica, Compartilhamento e Filosofia Open Source. In: NP 08 – Tecnologias da Informação e da Comunicação do V Encontro dos Núcleos de Pesquisa da Intercom. 2005.
BRUNET, Karla Schuch, Comunicação e Espaço Público. Mídia locativa, práticas artísticas de intervenção urbana e colaboração: 2008
CALDEIRA, Solange Pimentel. O lamento da Imperatriz: A Linguagem em Trânsito e o Espaço Urbano em Pina Bausch. São Paulo: Annablume, 2009.

FERRARA, Lucrécia D’Alessio, A Estratégia dos Signos. Perspectiva. São Paulo:1986.

sábado, 28 de junho de 2014

Intervenção urbana: Uma experiência vivida


Terezinha do Nascimento Souza

A nossa intervenção no Morro da Luz, um patrimônio histórico de espaço urbano local, foi atividade de culminância da disciplina cursada em trinta horas “Tópicos Especiais em Poéticas Contemporâneas I: Conceitos, Diálogos e Horizontes, realizada no dia vinte de maio do ano de dois mil e quatorze, e ministrada pela professora Drª Maria Thereza Azevedo.
A característica principal da disciplina é manter viva a tradição da performance interventiva do Coletivo à Deriva que se renova a cada ano, realizando performances interventivas de caráter artístico, político e pacífico, em locais públicos de áreas urbanas, chamando a atenção para os problemas sociais.
As aulas da turma 2014 foram realizadas a partir de revisão bibliográfica focada em temas reflexivos sobre “Autopoiese, fronteiras, hibridismos, fragmentação, colaboração, multiplicidade, repetição, e rupturas”. A partir de textos discutidos as aulas foram acontecendo, e aos poucos, de forma surpreendente, delineando a necessidade de um trabalho propositivo e interventivo, que materializasse, desse sentido e retorno ao que se estudava em sala de aula naquelas tardes produtivas, indo de encontro à proposta da professora Maria Thereza.
Então com a apropriação dos conteúdos dos textos lidos, de forma gradativa e crescente surgiu a vontade de por em prática o que estávamos estudando. E de forma compartilhada, o que iniciou como um cúmplice diálogo do grupo se transformou em proposta viva para a realização de uma histórica performance interventiva criativa.
Esse comportamento tem fundamento na opinião de Caldeira (2009, p. 32). Ela afirma que a realidade de pessoas convivendo de forma coletiva representa uma necessidade natural e ideal, como se o contrário disso fosse impossível, tendo nesse cenário os espaços agregadores da urbanidade: as cidades. E fazem parte delas as ferramentas existentes e viabilizadoras dessa convivência, num completo feedback de inúmeras necessidades e das mais diversas origens, modelos e finalidades, encaixados numa fenda que lhes dão sentido e os completam.
O grupo então, de comum acordo aos poucos delineou e sistematizou como seria a intervenção, ao mesmo tempo em que se discutia sobre o lugar ideal para sua execução. Vários foram apontados e imediatamente estudados os prós e contras de cada contexto pensado, até que surgiu a ideia do Morro da Luz, uma área significativa da cuiabania, tombada como patrimônio histórico. No passado o morro foi considerado parte do Sítio de mineração nos séculos XVIII e XIX.
Um morro sem luz, lugar que tem sua própria história atrelada aos significados das dez trilhas e quatro praças ali desenhadas e identificadas, e que nas suas simplicidades colaboram para relembrar figuras sociais imortais, veladas pela escuridão permanente do esquecimento, cujas identidades são resgatadas no momento em que outras pessoas buscam esses lugares. E Caldeira (2009, p. 53) divagando sobre o pensamento de Pina Baush afirma que “os lugares ganham identidade por intermédio das pessoas que estão lá”.
Imediatamente o grupo decidiu fazer uma verificação prévia do local, e aproveitando a euforia frente ao desconhecido partiu para a luta. Lá chegando aconteceu um milagre: a nossa paixão pelo morro na sua magnitude, e a sensação única de felicidade pela decisão tomada. A explicação para esse êxtase pode ser encontrada na citação de Caldeira (2009, p. 43):

“a imagem de uma cidade vista do alto de seu ponto culminante é a de uma imensidão imóvel, que aquele que olha vê e lê. Do alto, de longe, pode-se ver o conjunto, escapar do cotidiano e, à distância, ver a totalidade. (...). ela permite lê-lo, ser um Olho solar, um olhar divino. Exaltação de uma pulsão escópica e gnóstica. Ser apenas este ponto que vê, eis a ficção do saber” (RAJCHMANN, 1991, 105).

A confirmação unânime pelo morro desdobrou-se em outras mais como o informe e convocação da mídia, da população, do horário de chegada à sua base às dezesseis horas, e início da subida às dezessete horas. E as roupas... Ah! algumas opções foram socializadas e votadas, e venceu o uso de roupas pretas e camisetas produzidas por alguns alunos, com exclusividade para o evento. Levamos nas mãos lanternas acesas, no pescoço colares brilhantes de luzes pisca-pisca e objetos de néon; nos pés a caminhada, no peito a incontida emoção. Canhões de luz a tiracolo, câmeras fotográficas, filmadoras, e aparelhos celulares de última geração. Alunos, amigos, artistas e colaboradores produzindo suas artes através da plasticidade em argila e dos instrumentos musicais violão e clarineta, vozes, corpos, artes visuais, cênicas, danças... e foi assim, da intervenção pensada até a sua realização e finalização.
O espírito de colaboração disseminada pelo pequeno coletivo fez fruir os processos criativos. O lugar foi votado e escolhido a ser vivido num fragmento do tempo ignorado, não percebido e não medido, mas explorado e extasiado.
Todos subindo o morro, não numa caminhada só pela caminhada, mas ela permeada por um contingente de significados, num tempo situado no contemporâneo. Libertando-se das amarras do cotidiano, no momento do cotidiano, transformando-o e incorporando o contraste causado pela simples atitude de adentrar nas trilhas históricas, compartilhando descobertas e sentimentos com o coletivo até a chegada na praça Zé Bolo Flô, escolhida para a realização dinâmica das expressões artísticas interventivas.
Nesse tipo de comportamento, a necessidade de caminhadas à deriva, nos reporta aos primeiros passos das intervenções em lugares públicos que demarcaram a arte contemporânea no Brasil nos anos de 1950 até 1960, quando suas principais figuras gravaram seus nomes da história nacional; cidadãos como Flávio de Carvalho com seus modelos de vestimentas em contraposição às matrizes europeias tradicionais; Lygia Clark e suas figuras geométricas saindo do tradicional espaço das molduras; e Hélio Oiticica com suas pinturas performances. Ambos registraram a plasticidade de suas criações no campo das artes visuais.
Eles colocaram em evidência a necessidade da participação do espectador, cujas performances não sem objetivos políticos foram intervenções em defesa do social, desse outro tão necessário para o eu, que num conceito do sujeito na subjetividade, entendendo Félix Guattari, Mansano (2009, p. 11) afirma que:

“... a subjetividade não implica uma posse, mas uma produção incessante que acontece a partir dos encontros que vivemos com o outro. Nesse caso, o outro pode ser compreendido como o outro social, mas também como a natureza, os acontecimentos, as invenções, enfim, aquilo que produz efeitos nos corpos e nas maneiras de viver. Tais efeitos, difundem-se por meio de múltiplos componentes de subjetividade que estão em circulação no campo social. Por isso mesmo, esse autor complementa sua análise dizendo que a “subjetividade é essencialmente fabricada e modelada no registro do social”.

Desse convívio entre espaços e pessoas e seu cotidiano, em lugares disponíveis para acesso e uso, estão os ambientes com maiores ou menores significados à memória de determinadas sociedades/comunidades. Cidadãos do passado e do presente, e que independente das suas particulares características tem cravado em suas lutas o viés político, reafirmando que qualquer ação ou organização social é também política.
Fotografamos e filmamos tudo, recitamos poesias conhecidas, criamos outras e as dissemos aos quatro cantos delimitados do cenário da praça de solo acolhedor. E no espaço celestial sem fim, tudo perpassou as árvores cúmplices que naquele momento captavam e guardavam novos segredos, juntando-os aos antigos, na sua imensa solidão noturna.
Aquelas horas de intervenção no morro, resgatou-lhe e ao mesmo tempo doou-lhe timidamente vários pontos de luz que lançamos na noite que nos acolheu. Recebeu nossa retribuição enquanto focávamos o vazio diante de nós no acesso e utilização daquele espaço. Mas uma cruel verdade pairava ao redor daquele morro sem condições de permanência, por estar envolto numa apropriação indevida por parte de pequena população fixa e flutuante de pessoas visíveis e invisíveis: os usuários de drogas.
Os animais não foram notados; e lá não vimos não humanos. Não havia preocupação com tais seres, pois se alguns existissem não receberiam atenção, considerando-se a citação de Caldeira (2009, p. 53): “Claro que a natureza me interessa... mas o meu material de trabalho básico são as pessoas... (DUNDER, 2000, 46).
Tudo isso justifica a sistematização das horas trabalhadas em sala de aula, cujo estudo culminou com a intervenção do Coletivo à Deriva e sua organização. Penso que realizamos algo com objetivo não só de encenar, de criar ou interpretar, e nem por questões de ativismo. O que fizemos teve fundamentos específicos e abrangentes, para que não terminassem ali. Então eu me arrisco a dizer que nosso trabalho se encaixa, mesmo que de forma tímida, nas bases do projeto intervenção, um dos eixos da pesquisa-ação. Mas sem a pretensão de afirmar isso de forma mais literal.
E sobre a intervenção, a pesquisadora Baldissera (2001, p. 6) ao discutir o projeto intervenção, numa citação do principal teórico dessa linha, Michel Thiollent, afirma:

“Nesta perspectiva diz Thiollent, “é necessário definir com precisão, qual ação, quais agentes, seus objetivos e obstáculos, qual a exigência de conhecimento a ser produzido em função dos problemas encontrados na ação ou entre os atos da situação”. Thiollent (1985:16).

Sendo assim, eu tenho a certeza de que cumprimos a proposta interventiva com maestria, porque foi pensada, desejada e planejada.
Esta devolutiva contém os principais apontamentos desse trabalho tão bem elaborado, coordenado e executado.

Referenciais
CALDEIRA, Solange Pimental. O lamento da Imperatriz: a linguagem em trânsito e o espaço urbano em Pina Bauscj./Solange Pimentel Caldeira. – São Paulo: Annablume: Belo Horizonte: Fapemig, 2009.

COCCHIARALE, Fernando. A (outra) Arte Contemporânea Brasileira. Intervenções urbanas micropolíticas. Revista do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuas EBA. UFRJ, 2004.

MANSANO. Sonia Regina Vargas. Sujeito, subjetividade e modos de subjetivação na contemporaneidade. Revista de Psicologia da UNESP, 8 (2). 2009.

IPNAH, Instituto de Planejamento e Desenvolvimento Urbano. Cuiabá-MT, 2010.


THIOLLENT, M. Metodologia da Pesquisa-ação (14ªed.) São Paulo: Editora Cortez, 2005.

Desenhando com o Morro da Luz: uma intervenção em Fós Grafis

Priscila Freitas

Iluminar, como sinônimo de clarear, de preencher de luz um vazio no escuro. Aqui também leva o significado de colorir, de alegrar, e dar vida a um lugar perdido no espaço urbano de Cuiabá.
Na tentativa de preencher de presença, luz, um lugar já ausente, escuro.  Um lugar, carente de gente, de movimento, que assiste passivamente a evolução da cidade e o passar dos anos. Engolido pela correria do transito, pelas pessoas que não conseguem mais parar, ou que não sabem mais parar e pouco menos olhar e enxergar. Um lugar no centro, e do centro da cidade, sugado pelo caos, esquecido, e quase que perdido no tempo.
O Morro da Luz, onde atualmente a luz só existe no nome. Um morro mesmo, literalmente, carregado de beleza natural, de árvores e trilhas, árvores centenárias, e trilhas misteriosas, sedentas de histórias para contar, criar e reinventar. O morro que desperta a imaginação e a curiosidade dos poucos que ainda sabem observar. Daqueles que deixam de olhar o relógio no celular, para ver a paisagem. 
Denominado parque Antônio Pires de Campos, o Morro da Luz, foi tombado como Patrimônio Histórico Municipal de Cuiabá pelo decreto de lei nº 870 de 13.12.1983. Que homenageia o filho do bandeirante Manoel de Campos Bicudo, um dos primeiros a desbravar Cuiabá, que naquela época ainda era o “Arraial de Cuiabá”. E posteriormente, devido à existência de uma casinha pequena naquele morro, rodeada por árvores de alto relevo, lugar onde se fazia a distribuição da energia, é que foi inaugurado em 1928, o Morro da Luz.
Possuidor de atributos ambientais que reforçam o sentido do lugar para as pessoas e traçam vínculos de conhecimento e de efetividade com a relação à paisagem, torna-se um importante fator que auxilia a medir a qualidade ambiental da cidade de Cuiabá (COSTA et al, 1999).
Sua temperatura é em média de 3 a 4º C menor do que no centro de Cuiabá. É exatamente na região da Prainha que existem as ilhas de calor, bolsões de ar quente que ficam espremidos entre as construções urbanas e retêm o calor em uma microrregião. (COSTA, et al, 1999).
Cheio de potencial para gerar bem estar e alegria, aos moradores de Cuiabá, o Morro da Luz, hoje, se encontra engolido pela cidade, e lamentavelmente, habitado pela fumaça dos cigarros dos andarilhos e trombadinhas que perambulam à noite.
Na esperança de mudar esta realidade, é que o Coletivo à Deriva, fundado pelo Grupo de Pesquisas e Artes Híbridas do ECCO (Programa de Pós-Graduação em Estudos de Cultura Contemporânea) no Instituto de Linguagens da Universidade Federal de Mato Grosso, sob a liderança da professora Maria Thereza Azevedo, teve a iniciativa realizar uma intervenção urbana, ocupando por uma noite o Morro da Luz.
A proposta foi rechear de pessoas com lanternas, canhões de luz e outros objetos luminosos e coloridos, o morro desabitado de ilusões, ressuscitando ali a vida que ainda existe, com várias manifestações artísticas, como música, danças, bolhas de sabão, muita luz e imaginação.
Por volta das 17 horas, o grupo se reuniu ao pé do morro, animados e cheios de energia, quando a noite chegou enfim, a caminhada teve início. Com adultos e crianças de lanterna nas mãos, a sensação era de descoberta e empolgação, por estar num antigo lugar, e vê-lo com novos olhos, o brilho no olhar era o principal destaque nos rostos que apenas quem vive uma grande aventura consegue transmitir.
Os movimentos com as lanternas eram frenéticos, porém cuidadosos, afinal, ninguém queria perder nenhum detalhe, e todos queriam ver o que a luz era capaz de fazer no escuro. Os objetos luminosos piscavam no escuro, como vaga-lumes, uma hora pertinho, noutra hora, longe, lá no alto sozinho. As luzes clareavam as trilhas, e os pés dos amigos, que riam uns com os outros.
Além da luz, as sombras também faziam festa, e brincavam entre elas, desenhavam no escuro, os caminhos que se perdiam dentre as folhas secas, que naquele momento, ganhava vida. Vida também ganhava o céu do Morro da Luz, iluminado por dois canhões gigantes, que disparavam de baixo para cima uma forte luz, intensa o bastante para chamar atenção dos que caminhavam distraidamente pelas ruas em volta do morro. Lá em cima, o baile de cores, era composto por música e dança, por pessoas fazendo bolhas de sabão, e descobrindo um mundo novo, pela luz que não parava de criar, de se mostrar e fazer arte.
De modo prático, conversando com a importância deste ato mágico, realizado no Morro da Luz, no dia 20 de maio de 2014, é que vimos a necessidade de eternizar esta intervenção urbana por meio da fotografia. Pois por meio do registro fotográfico, é possível fazer e contar história, e em cima dessas histórias, criar e desenhar novos sonhos.
A palavra fotografia vem do grego antigo, onde “Fós” significa “luz”, e “Grafis” significa “Desenho” ou “Desenhar”, então a Fotografia é o ato de “Desenhar com a Luz”. Que é o mesmo sentido que o Coletivo à Deriva, se propôs a fazer, desenhar com a luz o Morro da Luz.
Na pratica, a fotografia é uma técnica de gravação por meios químicos, mecânicos ou digitais, de uma imagem numa camada de material sensível à exposição luminosa, o que poder ser entendido, também, como o ato de “desenhar com a luz”.  
O ângulo usado pela câmera, à posição dela no quadro, o uso da iluminação para realçar certos aspectos, qualquer efeito obtido pela cor, tonalidade ou processamento teria o potencial do significado social. Quando lidamos com imagens, torna-se especialmente evidente que não estamos lidando apenas com o objeto ou o conceito que representam, mas também com o modo em que estão sendo representados. A representação visual também possui uma “linguagem”, conjunto de códigos e convenções usados pelos espectador para que tenha sentindo aquilo que ele vê. As imagens chegam até nós já como mensagens “Codificadas”, já representadas como algo significativo em vários modos.  (TURNER, 1997, p.53)

Precisamos entender como funciona esse sistema, esta gravação técnica, que atua como uma linguagem, a fotografia.
A produção fotográfica “depende fundamentalmente da mediação de, no mínimo, três dispositivos técnicos: a câmera, o sistema óptico da objetiva e a película fotossensível” (MACHADO, 1997ª, pp.222). O órgão sensitivo da fotografia é uma câmera/olho móvel que mimetiza a estrutura e as funções instrumentais do olho biológico humano. Suas lentes são feitas de vidro, sua retina é uma superfície fotossensível e seu nervo ótico, uma consciência perceptiva autoral. As imagens são fixadas por meio de gradações tonais que vão do branco ao preto, da luz à escuridão e de um tempo maior ou menor a exposição. (TOMAS, 1996, pp. 146 e 153).
O posicionamento da câmera fotográfica é a mais evidente das práticas que contribuem para a realização de uma foto, o manejo dos ângulos da câmera também influenciam para a composição de seu significado.
 Segundo Ivan Lima (1985, p. 22), a leitura de uma foto também se compõe pela percepção, identificação e interpretação. A percepção é puramente ótica, onde os olhos percebem as formas e as tonalidades. A leitura de identificação que pode ser ótica ou mental, como a leitura de um texto, em que o leitor identifica os componentes visuais e registra mentalmente a sua informação. E a interpretação, é uma ação completamente mental, e é neste estado que se manifesta o caráter polissêmico da fotografia. Onde cada leitor interpreta da sua forma de acordo com as suas próprias referências e experiências de vida. Onde a imaginação e os sonhos tomam forma.
 É como se uma foto fosse uma imagem enquadrada estaticamente, uma imagem parada no tempo e espaço, uma fração de vida paralisada. Ela representa algo, um objeto, um ser, ou qualquer coisa passível a visão.  
A imagem revelada é sua emanação do objeto, seu traço, fragmento, vestígio, sua marca e prova. Entretanto por mais que seja inegável que a coisa fotografada esteve lá. (BARTHES, 1980, p. 109), aquele pedaço de realidade, fixado para sempre em uma projeção bidimensional, não é o objeto. É apenas uma emanação dele. Decorre de todas essas condições a natureza ao mesmo tempo indicial (um fragmento residual do objeto), icônica (similaridade com a imagem do objeto fotografado) e simbólica (resultado de um certo sistema de decodificação) da fotografia, para usarmos a terminologia da semiótica peirciana. (MOURA, 2001, p. 361)
Além disso, como afirma Moura em “50 Anos de Luz, Câmera e Ação”, sem deixar de ser uma emanação, a foto se constitui em objeto em si mesmo que tem sua própria materialidade e ocupa seu lugar no mundo. Um lugar de muitos lugares, pois a fotografia é, por sua própria natureza, reprodutível. Em virtude disso, enxames de fotos dos mais variados lugares, interiores e exteriores, povoam o mundo e, além de fazerem parte da realidade tanto quanto os objetos fotografados o fazem, as fotos têm um poder multiplicador que os objetos não possuem.  (MOURA, 2001, p. 362).
Para Dondis, a fotografia é dominada pelo elemento visual em que interage o tom, a cor, a forma, textura, escala e composição. A autora também engrossa a fila dos estudiosos da imagem que “acreditam” que uma foto não mente, baseados na hipótese de que “a fotografia tem uma característica que não compartilha 100% com nenhuma outra arte visual – a credibilidade.” (artigo As pernas e pés na fotografia da nudez feminina: uma análise de semiótica plástica.)  (DONDIS,1997, p. 215-216).
Preexiste ainda sua intervenção o fato de que a fotografia fixa é uma herdeira da câmera escura e do olho centralizado da tradição perspectiva da pintura, isto é, de um certo sistema de representação, de codificação do visível.  Esse sistema de codificação não impede certa similaridade entre imagem fotográfica de uma objeto e as condições de visão humana desse objeto, pelo contrário, propicia-a. (MOURA, 2001, p. 361).
A fotografia depende essencialmente da luz, e a luz é formada por partículas que se deslocam da fonte de energia luminosa até se chocarem com um objeto que possui cor. O contraste na fotografia é preto e branco, por exemplo, é obtida pela própria natureza das cores que vemos e sua nitidez e textura são realçadas pela quantidade de luz que lhe é impressa. O branco representa clareza e vida, já o preto, é uma cor que se fecha em si mesma e representa o sombrio, o mistério e a morte.
Estes contrastes entre luz e sombra, branco e preto, nas fotografias do Morro da Luz, conversam diretamente com a realidade afirmada aqui, de desprezo e abandono. E reafirmam a necessidade de iluminar, para transmitir segurança e povoar o lugar. Ou seja, dar uma intenção a fotografia, saber manipular a luz. Para incentivar a revitalização do Morro da Luz.
A fotografia é sempre considerada uma arte de artistas mudos. As entrevistas de fotógrafos são cheias de "não sei explicar direito" e do inevitável "sou visual, não sei falar".  
Uma fotografia bem composta conduz o olhar para o seu centro de interesse. Explica sua intenção pelo mostrar, pelo olhar, e não pelas palavras. Onde compor uma foto, é limpar a imagem das coisas que não é interessante mostrar, é simplificar o número de informações visuais que existem dentro de um quadro, é dirigir o olhar de quem vê a foto para onde o fotógrafo quiser. (MOURA, 2001, p.433)
Fellini, elege a luz como matéria do filme, ou no nosso caso, da fotografia. Ele é contundente na definição do poder da luz:
“A luz seja a ideologia, sentimento, cor, tom profundidade, atmosfera, narrativa. A luz é aquilo que reúne, que apaga, que reduz que exalta, que arrisca, esfuma, sublinha, derruba, que faz tornar crível ou aceitável o fantástico, o sonho, ou ao contrário, torna fantástico o real, dá tom de miragem ao cotidiano mais simples, reúne transparências, sugere tensões vibrações. A luz preenche um vazio, cria expressão onde ela não existe, doa inteligência ao que é opaco, dá sedução à ignorância. A luz desenha a elegância de uma figura, glorifica uma paisagem, a inventa do nada, dá magia a um fundo. É o primeiro efeito especial, entendido como truque, como encantamento, como engano, como loja de alquimia, máquina do maravilhoso. A luz é o sal alucinatório que, queimando, irradia as visões: e o que vive, vive pela luz.”(ALMEIDA, 2004)

A cenografia mais elementar e rudemente realizada pode com a luz, adquirir perspectivas insuspeitas, colocar a narrativa numa atmosfera inquietante. Ou então, acendendo-se apenas um refletor, e dando-se uma contraluz, eis que todo sentido de angústia se dissolve e tudo se torna sereno, familiar, seguro. A fotografia é escrita com luz. (ALMEIDA, 2004, p. 68)
E com a luz, acredita-se, podemos escrever uma nova história ao Morro da Luz.
O Morro iluminado, ganha seu nome, Luz, e recebe a sua existência e todo seu valor de certas afinidades singulares entre a alma e o olho. Desta forma, pode se dizer que a conexão entre a realidade do abandono, e a esperança de revitalização, acontece por intermédio de uma forma mediada e sensível, a fotografia.
Cyro dos Anjos (1982) considera a ficção, neste caso, as fotografias do Morro iluminado, como uma interpretação da realidade, quer exterior, vista pelos olhos da cidade como um todo, quer interior, vista pela população de forma individual. Onde a imaginação é, assim, caracterizada como instrumento de elaboração da realidade. Uma realidade considerada possível para nós, que queremos o Morro da Luz, com luz.


 Referências bibliográficas:

DONDIS, Donis A.(1997) – Sintaxe da Linguagem Visual. Ed. Martins Fontes – São Paulo, 2000.
LIMA, Ivan. A Fotografia é a sua linguagem/ Ivan Lima; apresentação Walter Firmo. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo. 1988.
MORRO da Luz. Disponível em: <http://www.cuiaba.mt.gov.br/upload/arquivo/morro_da_luz.pdf>. Acesso em 25 jun. 2014.
MOURA, Edgar Peixoto de. 50 Anos Luz, Câmera e Ação/ Edgar Moura. 2 ed – São Paulo: Editora Senac. São Paulo, 2001.
SALLES, Cecilia Almeida. Gesto Inacabado: Processo de Criação Artística. 2 edição. São Paulo: FAPESP: Annablume, 2004.
TURNER, Graeme. Cinema como Prática Social. São Paulo: Editora Summus, 1997.