Sandra
Maria Souza Rosa
A disciplina de Tópicos Especiais em Poéticas
Contemporânea I, ministrada pela professora Doutora Maria Thereza de Oliveira
Azevedo, propôs aos alunos que fizéssemos uma intervenção urbana e nos fez observar
a cidade de outra maneira, com o olhar mais voltado para o poético. Nós ficamos
em busca de um lugar onde essa intervenção ocorreria e depois de várias
sugestões, foi definido o Morro da Luz. O presente texto propõe reflexões
teóricas sobre a performance realizada.
Conhecendo o Morro
O
Morro da Luz como é popularmente conhecido, devido na década de 1920, ter se
instalado uma subestação de energia elétrica que distribuía energia para a
cidade. Ele também é denominado Parque
Antônio Pires de Campos e em 1983 foi declarado patrimônio histórico,
paisagístico e ecológico do município. O Morro da Luz está localizado na área central
de Cuiabá, sendo um espaço arborizado com um clima agradável, tem trilhas e
praças. Ele representa para o povo cuiabano o simbolismo de uma história com
diferentes momentos que geram emoção e ao mesmo tempo aflição.
Conforme
relatos de uma de nossas colegas de sala, quando o Morro da Luz foi inaugurado,
era frequentado pela população cuiabana, um local onde casais de namorados iam
passear, famílias ter momentos de lazer. Com o passar do tempo, o Morro da Luz
foi ficando abandonado, tanto pela população quanto pelo poder público. A sujeira
foi tomando conta do local, a falta de iluminação pública e de segurança
também, o vandalismo foi aparecendo nas lixeiras quebradas e placas pichadas, tudo
isso foi tornando o Morro da Luz um lugar inseguro e perigoso.
Arte no Morro
Como
forma de chamar a atenção da população e do poder estatal novamente para o
espaço público, foi organizada uma performance, que faria o elo das pessoas ao
espaço. Para ZUMTHOR (2007, p. 39) “ A performance
não apenas se liga ao corpo mas, por ele, ao espaço. Esse laço se valoriza por
uma noção, a de teatralidade (...)”
A
performance que foi denominada “ Morro de Luz” é um projeto dos alunos do Mestrado do
Programa de Pós-Graduação em Estudos de Cultura Contemporânea da Universidade
Federal de Mato Grosso juntamente com o
Coletivo à Deriva.Foi realizada no dia 20 de maio com previsão para iniciar às
17:00. A ideia foi praticar aquele lugar abandonado, nas palavras de Certeau[1]
apud Washigton (2013, p. 147)
Certeau
Define
“
Espaço” como “lugar praticado”. Os projetos arquitetônicos, as estradas, as
usinas, os lagos artificiais, determinan a ordem das coisas, são lugares; as
pessoas, nos seus modos de fazer, reinventam no cotidiano os seus usos, assim
constituem espaços de movimentação possíveis de se viver. Certeau interpreta as
práticas culturais contemporâneas atribuindo-lhes a capacidade de reinventar os
lugares, cada um a seu modo, escapando do planejamento e da homogeneização
através das “ artes de fazer” da “ caça
não autorizada” das “táticas de resistências”.
Perto
das 17h foi chegando a professora, os alunos, os convidados, equipes de
reportagem (pois algo assim no local não havia ocorrido) e os artistas. Com
certo número de pessoas e ao entardecer, começamos a subir o morro até onde é
localizada uma das praças, que tem tipo um palco, foi esse o local das
apresentações artísticas. A performance ocorreu com os alunos e convidados
utilizando lanternas para iluminarmos as apresentações musicais e também o escultor,como podemos verificar na
foto abaixo.
Foto: Frank César Bussato
O
Morro naquele momento ficou sendo palco de manifestações artísticas ocorrendo
simultaneamente, enquanto o flautista era iluminado com a claridade de algumas
lanternas, as outras iluminavam o escultor criando sua escultura e próximo do
escultor estavam algumas pessoas fazendo bolas de sabão, pequenas, médias e
grandes que eram percebidas através dos reflexos das lanternas, que pode ser
verificada na foto abaixo.
Foto:
Frank César Bussato
As
práticas cotidianas do morro foram desautomatizadas por meio da arte. A rotina
urbana, comentada por Caldeira, foi ressignificada na ação dos estudantes.
“A
Imagem urbana apoiada nos ícones da vida privada acaba por desintegrar aquela
outra imagem que valorizava os espaços coletivos: a rua a praça, o largo, a
avenida; o uso da cidade se transforma em rotina organizada pela pressa que
automatiza e unifica todos os lugares; perdem-se os pontos de referência, as
marcas urbanas, os pontos de encontros.” (CALDEIRA, 2009, p. 42)
Mais
tarde foram utilizados dois Canhões de luz Skywalker, assim visualizamos as
projeções de autoria de Luis Segadas. Na foto abaixo verificamos a projeção da
imagem de um índio.
Foto:
Alle Rodrigues
O
Morro por algumas horas ficou iluminado, irradiando arte e nos deixando
encantados com o que estava acontecendo, se tornando realmente um “Morro de
Luz”. O ato de arte se fez assim uma
ponte entre os corpos que faziam a performance e o local onde a intervenção foi
realizada. Para Brito e Jacques (2009, p. 339) “ o espaço público e a experiência
artística constituem, assim, aspectos da vida humana cuja dinâmica tanto
promove quanto resulta dos modos de articulação entre o corpo e seus ambientes
de existência”.
Essa
experiência me fez perceber que não valorizamos lugares como o Morro da Luz,
que faz parte do nosso cotidiano, que os seus bons tempos existem somente nas
lembranças guardadas nas memórias das pessoas mais velhas fazendo-os viajarem
no tempo em que tiveram a oportunidade de usufruir dele como um lugar de lazer.
“Todavia a memória tem outro sentido ela é também a
possibilidade do resgate do lugar, revelando-o e dando uma outra dimensão para
o tempo”. (CARLOS, 2007, p.39)
Com
a falta de iluminação pública, de manutenção da limpeza e de revitalizações,as visitações
ao Morro da Luz foram prejudicadas. A população
local e visitantes da cidade deixaram de frequentar o morro, que se tornou
desconhecido das pessoas mais jovens. Que bom seria se o Morro da Luz voltasse
a ser um ambiente de lazer em pleno Centro da cidade.
Referências Bibliográficas
BRITO, Fabiana Dultra e
JACQUES, Paola Berentein. Corpocidade:Arte enquanto Micro- Resistência
Urbana. In Fractual: Revista de Psicologia, v.21- n. 2, p. 337-350,
Maio/Ago. 2009. Disponível em http://www.uff.br/periodicoshumanas/index.php/Fractal/article/view/273.
Acessado em 29/06/2014
CALDEIRA, Solange Pimentel. O lamento da Imperatriz: a linguagem
em trânsito e o espaço urbano em Pina Bausch. São Paulo:
Annablume, 2009.
CARLOS, Ana Fani
Alessandri. O lugar no/do mundo. São
Paulo: FFLCH, 2007, 85P. Disponível em: http: www.fflch.usp.br/dg/gesp. Acessado
em 29/06/2014
WASHIGTON, Claudia
Teresinha. Prática artística, fronteiras
territoriais e reinvenção dos espaços. In Sures – Revista Digital do
Instituto Latino Americano de Arte, Cultura e História. Universidade Federal da
Integração Latino – Americana – UNILA ISSN 2317-2738 v. 2 , Ano 2013. Disponível em https://ojs.unila.edu.br/ojs/index.php/sures/article/view/77.
Acessado em 29/06/2014
ZUMTHOR, Paul. Performance, recepção,
leitura. 2. ed. São Paulo: Cosac
Naify, 2007.